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CENA

CENA

19
Fev09

Crónicas do Dr. Ribeiro (5)

gana

Sobre a Festa mais Bonita da Lousã – os 22 Fados de Coimbra

 

Ora, ainda naquela época funesta em que minha mulher decidiu ir morar para Vilamoura, resolvi eu, e porque era homem para isso, tentar controlar a sua vida, ainda que a centenas de quilómetros de distância. Sempre fui um indivíduo com poder e com um saber algo invulgar para gerir os seus próprios recursos. E neste caso, o meu recurso mais próximo era o Peres…o Peres era meu amigo de infância, daqueles amigos que, por mais medíocres que sejam, permanece sempre a ternura de jogar à bola com ele, em tenra idade. Quando pequenos, rasteirou-me bastas vezes, mas no fim da 4ª classe, quem tinha o pé boto era ele. Daí que, resolvi manter esta amizade de longa data… não era médico como eu, é bem verdade, nem tinha sequer um quarto da quantia que eu depositava naquela altura na CAIXA, mas era um homem a quem se podia pedir um favor, um homem submisso. E sabendo eu que ele morava na Quarteira, ninguém melhor que o Peres para vigiar a minha mulher… ficou então combinado que, sempre que ele avistasse a Sãozinha com um homem diferente, me devia telefonar imediatamente, deixando mensagem em correio de voz, caso eu estivesse em plena consulta.

 

E ele assim fez…no princípio, achei inusitado que todas as semanas tivesse um novo telefonema, informando-me de um novo senhor que entrava de rompante na vida dela… pensei mesmo que estas histórias se ficavam apenas por um jantar bem bebido... mas depois o Peres começou-me a relatar algo dantesco para a minha própria formação… aparentemente, estes senhores entravam na casa da minha esposa à Sexta-Feira à noite e só acabariam por sair no Domingo depois do almoço… Fim de Semana atrás de Fim de Semana… que coisa medonha estava eu a tomar conhecimento.

 

Já bastante cabisbaixo e sem qualquer esperança que a Sãozinha deixasse esta vida de grande cidade, um dia, os telefonemas do Peres terminaram abruptamente! Não mais eu ouvia estas histórias intermináveis de Homens a enganarem uma Inocente…pensei que a minha Sãozinha estava a voltar para mim!

 

Mas também neste assunto eu me surpreendi com a realidade dos factos…acabei por saber, dois meses depois, que o senhor Peres se fazia acompanhar da minha Sãozinha todas as Sextas-Feiras à noite, nas sessões dançantes do Casino de Vilamoura!

 

O “Pé Boto” andava em cima da Sãozinha! Literalmente! Em cima Dela!

 

Perante este desgosto, e porque tinha que refazer a minha vida, grandiosa até então, resolvi que naquele ano, seria eu a organizar o grande Natal dos Hospitais da Lousã! Até aquela data, esta festa anual consistia num pequeno lanche com os doentes, seguido de uma Homilia, culminando na Confissão dos mesmos com o Prior da Lousã. Ora estava visto que o programa deste evento tinha que mudar! Era rotineiro! Numa das últimas realizações, diz-se que um doente feito o seguinte comentário: “Então se eu sou doente, onde é que está a minha Prenda? Ou eu não tenho direito a Menino Jesus? É só para os Ricos? Então dêem-me Alta deste Centro de Saúde! Quero ser internado num Centro de Saúde onde tenha Menino Jesus na manhã a seguir à Consoada!”

 

Não havia tempo a perder! Em menos de uma semana, pus a Lousã inteira a trabalhar para este grande evento! Vieram lenhadores das terras mais próximas de modo a que se pudesse construir uma grande Cabana para o Menino Jesus, do Algarve consegui um Dromedário, que embora em número insuficiente, representava a alegria dos Reis Magos, as costureiras da Lousã prepararam toda a indumentária para o dia da representação “Nas Palhinhas Deitado”, para Coimbra dirigiu-se o Presidente, numa carrinha do município, com o objectivo de trazer Prendas em conta, da Baixinha (Sapatos da loja Teresinha para toda gente foi um capricho meu que o presidente não hesitou em aceitar, na condição de se poderem trocar caso o número do pé não fosse o correcto), das Caldas trouxe o meu sobrinho, Canecas, para que se pudesse beber o Cacau da Meia Noite, da Praia de Mira, em 2 Camiões, veio o Bacalhau fresquinho e já dessado e da Cooperativa da Lousã, paguei eu do meu próprio bolso o melhor Vinho da região, O “Lousanense”, de modo a que também os próprios doentes pudessem saborear e degustar algo mais que não fosse a comida da Cantina, e quiçá, ficarem até um pouco alegres… tudo era permitido nessa grande Noite que iria ser o Natal dos Hospitais da Lousã! Distribuíram-se ainda Preservativos para toda a gente, tendo em conta o entusiasmo que iria decorrer daquela grandiosa Noite.

 

Ora só faltava uma coisa, que tão-somente era o mais importante: as Variedades! Precisávamos de um Artista convincente, alguém que pudesse cativar o público doente e demenciado que assistiria pela noite fora a tão maravilhoso espectáculo. E nesse particular dilema, eu não tive qualquer dúvida. O Artista ia ser Eu! Dez anos na Tuna da Faculdade de Medicina de Coimbra iriam finalmente dar os respectivos frutos! O Pandeireta ia voltar a actuar! Decidi então dar a esta gente o que há muito eles mereciam… 22 Fados de Coimbra pela noite fora, tocados, cantados e orquestrados por mim, com um intervalo para comes e bebes! Ideia adorável!

 

E assim foi… a noite estava fria, mas o calor daquela gente seduziu-me desde o início… a representação do Presépio correu maravilhosamente bem, ainda que o bebé real que fazia de Menino Jesus estivesse a tiritar de frio, o Bacalhau pôs toda a gente a chorar por mais e a distribuição de Prendas foi um dos momentos altos da noite. Claro está que o Pai Natal era cá o Doutor Ribeiro! Com Barba Branca, ninguém estava a reconhecer o Doutor Ribeiro! Ninguém estava a topar que era eu que andava a distribuir os sapatos da Teresinha! O único malandro que me descobriu, foi o sacanita do meu sobrinho mais novo, o Nunito… o malandro, agachado no chão, meteu-se por dentro das minhas vestes e manda-me o seguinte piropo: “Estou a ver o mangalho do Doutor Ribeiro! É bem grandão! É bem grandão!”. O malandreco do gaiato foi o único que me reconheceu…

 

E para acabar a noite, começo então a cantar os 22 Fados de Coimbra… que bonita performance… a minha Voz estava efectivamente no tom certo… ouvia eu por entre a assistência os seguintes comentários: “O Zeca levantou-se do caixão!” ou ainda “Este deve ser sobrinho dos da Câmara Pereira!” e ainda “O Soutor Ribeiro mexe na guitarra como se fosse um Auscultador para auscultar!”. Que bonita noite…

 

Na última canção, ainda assim, algo triste viria a acontecer… estava eu na última estrofe e no meio do público, gritou a Manuela o seguinte: “Doutor Ribeiro! Doutor Ribeiro! A Antónia acaba de desmaiar! A nossa doente mais idosa acaba de desmaiar! Venha! Venha salvá-la!”… Mas eu estava a terminar a última canção… E por outro lado, esta velhota estava constantemente a desmaiar desde há anos, ininterruptamente, quando soube que o neto ia para as Colónias. Por esses e outros motivos, tomei a decisão clínica de primeiro finalizar o espectáculo e depois ir acudir à velhota.

 

Terminei então a cantoria e recebi um Aplauso contundente de toda aquela assistência. Senti-me enobrecido e dirigi-me então à Antónia…Palpei-lhe o pulso carotídeo e observei cautelosamente os movimentos da caixa torácica… Após 1 minuto, diagnostiquei o inevitável: estava Morta!

 

Virei-me para a assistência e disse: “Foi o último desmaio da nossa querida Antónia! Era impossível o seu salvamento! Foi a Vontade de Deus!”.

 

E alguém no meio daquela boa gente, emanou o seguinte veredicto: “Foi o Menino Jesus que a levou!”.

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